Ilustração Zel Humor
( piblicada no Jornal Interpress n° 131/ dezembro)
O menino da caixa
Nesses dias em que a tecnologia nos separa mais do que nos une e nos tranforma em homens por trás de máquinas; em que a violência e o medo fazem de nossas casas celas e a corrupção rouba nossa cidadania, enfim, que experimentamos a solidão dos tempos modernos, o Natal é o momento em que tropeçamos na fantasia e na inocência que habitavam nossos sonhos de infância e que perdemos, em algum momento, diante do corre-corre pela sobrevivência. É como uma velha caixa de papelão jogada no fundo de um guarda-roupas, esquecida por décadas e que, ao abrir, descobrimos o velho soldadinho de chumbo, já sem cor, que venceu tantas batalhas imaginárias e inocentes; o trator que construiu sonhos de um futuro que parecia distante... mas chegou com a rapidez de um piscar de olhos... o trem elétrico que viajava sobre trilhos para os mais distantes lugares do mundo; o robozinho que virava cambalhotas... os gibis de super-heróis, as cartas nunca enviadas para aquela garota da turma da escola com juras eternas de amor... as fotos de família.
O Natal, não importa o nome do Deus que acreditamos - Cristo, Maomé, Oxalá, Jeová - muito menos se acreditamos ou não no mito do bom-velhinho vestido de vermelho que sai pelo mundo distribuindo presentes num trenó mágico puxado por renas que voam, é como abrir aquela velha caixa e reencontrar... resgatar o melhor de nós mesmos... o menino que acreditava, não no Papai Noel, mas no futuro e na construção de um mundo diferente, mesmo sem ter certeza de nada, mesmo sem saber que o mundo colorido da infância desbotaria com o passar do tempo como aqueles velhos gibis. O Natal é o momento de descobrir que dentro daquela velha caixa, soterrado pelas quinquilharias, ainda existe um menino que se perdeu de nós diante do stress, das preocupações, das desilusões... mas é ele quem nos alimenta de esperança, que fala conosco em nossos sonhos, que vela o nosso sono. É ele o dono da nossa história, que nos aponta o caminho e ensina que tudo é possível com ética, com respeito e acima de tudo com amor.
O menino da caixa, que nossa busca por status, poder, sucesso e dinheiro exilou no fundo do guarda-roupas sem luz, guarda a nossa maior porção humana; impede de nos transformarmos em bárbaros, num mundo em crise que parece querer sepultar os valores e tudo aquilo que mais acreditamos... e, mesmo no escuro, longe, sozinho, grita por vida e liberdade, clama por uma revolução capaz de transformar a todos e o próprio mundo e não tem dúvidas que utopia é uma palavra inventada por descrentes, cujos meninos da caixa envelheceram e desapareceram para sempre sem serem ouvidos.
O Natal nos revela, em sua grandeza, que muitos meninos não foram confinados no fundo de uma velha caixa nem estão exilados na lembrança, estão por aí, ainda acreditando no sonho, cheios de esperanças, ensinando que a vida e o mundo podem ter a alegria da infância, não apenas no Natal, basta abrirmos aquela velha caixa... uma atitude que precisa de coragem, despreendimento e, acima de tudo, de paixão, do olhar inocente e da emoção que um dia nos tomou diante daquele primeiro brinquedo, embrulhado numa caixa colorida debaixo da árvore no nosso primeiro Natal. Aquela caixa que nunca envelheceu.
Cleber Lopez Trindade
Editor do Jornal Interpress
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