Censura? A “proibição” da HQ Persépolis em escolas dos EUA
Por Ubi Diego,
Ontem, dia 1º de abril, o Irã completou seu 34º ano como uma República Islâmica Oficial. O fato serviu como pano de fundo para um dos principais temas da graphic novel intitulada Persépolis que esteve entre as manchetes de vários jornais no último mês. O motivo, explicarei a seguir:
Há poucas semanas os jornais noticiaram o protesto da quadrinista Marjane Satrapi contra o fato de escolas americanas terem confiscado sua HQ Persépolis.
A obra auto-biográfica narra a história de Marjane, ainda criança, vendo as transformações de seu país, o Irã, durante a Revolução de 1979 e os acontecimentos poucos anos após isso. O enredo mostra tudo a partir dos olhos de uma criança ingênua, mas com certo senso crítico. O livro apresenta, com um tom de humor, uma tremenda crítica social (e política), além de apresentar um olhar “interno” do conflito Iraniano – bem contrário à visão ocidental.
Segundo o site informativo The Guardian, as bibliotecas das escolas da cidade de Chicago receberam a orientação de que deveriam devolver todos os exemplares de Persépolis a partir do último dia 15 de março. É claro que o ato desencadeou diversos protestos de professores. A Associação das Bibliotecas dos Estados unidos afirmou que o ato representaria uma violação do direito de informação. Pela internet a autora iniciou a campanha #freepersépolis.
Depois que a notícia se espalhou, o Chicago Public Schools voltou atrás na decisão e explicou que a HQ não será banida, mas retirada da grade curricular de algumas séries, já que a obra contém linguagem e imagens inapropriadas para algumas crianças (da sétima série principalmente), mas o livro estaria disponível para crianças de idade mais avançada, para que os alunos tenham maturidade suficiente e possam entender a mensagem transmitida pela obra sobre a luta pelos direitos humanos.
Em resposta, Marjane diz que os argumentos Do CPS não fazem sentido e que não há nenhuma imagem de tortura ou qualquer coisa que dê base a restrição, que a autora afirma ser vergonhosa, principalmente porque as crianças já vêem tudo isso no cinema e na internet.
Marjane Satrapi é iraniana e a primeira das 4 edições de Persépolis foi lançada na França em 2002. A série é proibida no Irã, devido a suas fortes críticas.
Em 2007, Persépolis foi adaptado para o cinema, em animação, no mesmo estilo da HQ, recebendo até mesmo indicação para o Oscar.
O principal conflito que a autora apresenta é a chamada Revolução Islâmica de 79, que se tratava de um protesto popular pela democratização do país. O evento desencadeou uma série de mudanças radicais trazendo de volta valores culturais e religiosos muçulmanos.
Em 1º de abril, o Irã foi declarado uma república islâmica, tendo como principal chefe o aiatolá Khomeini que trouxe novas leis baseadas no Islã. Logo, tais leis e a intolerância religiosa foram dando margem a novos protestos, todos citados a partir do ponto de vista da pequena Marjane que também não deixou de fora o início dos ataques do Iraque e outros conflitos.
Apesar das justificativas do Chicago Public Schools, não consigo ver a proibição da Graphic Novel, senão, como censura. Após ler a HQ, notei que realmente não há qualquer cena que “extrapole” ou possa abalar os nervos de uma criança e se a questão for mesmo o de que as crianças devam ter uma maturidade para entender sobre o que o livro trata, nada impede que elas possam ler a HQ mais de uma vez em várias fases da vida.
Persépolis é, sem dúvida, uma Obra de Arte. Uma HQ incrível e que com certeza deve ser lida por todos os admiradores da nona arte. A luta pelos direitos humanos, a crítica ao racismo e a intolerância religiosa misturadas ao humor e “ingenuidade” da protagonista tornam a leitura ainda mais prazerosa.
Acredito que as críticas contidas na obra Persépolis são propícias para o momento em que vivemos atualmente no Brasil, de certo modo, nos dando até mesmo o direito de uma leve comparação. Principalmente com as recentes notícias que lemos sobre o possível fim do Estado Laico no país, ato este que permitiria a interferência da religião nas decisões do estado.
Assim como a pequena Marji viu seu país correndo na direção contrária do futuro e da liberdade. Pode parecer exagero, mas, quem sabe, o que vemos no Brasil seja, infelizmente, uma situação quase que semelhante.
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