O universo dos quadrinhos não pertence mais apenas aos super-heróis clássicos como Batman ou Super Homem. Pelo menos, é o que o editor americano de quadrinhos Chip Reece vem tentando mostrar com a graphic novel “Metaphase”. O desabafo pessoal em formato de roteiro de ação ilustrado conta a história de Ollie, filho do autor. O garoto de três anos é portador de Síndrome de Down e considerado um verdadeiro herói – são poucos aqueles que conseguem sobreviver a sete meses de internação e três cirurgias no coração ainda em seu primeiro ano de vida.
“Na verdade eu não precisei torná-lo um herói [para o quadrinho]. ele já é um herói na vida real. Estou usando esse livro basicamente para mostrar para o mundo que indivíduos com Down podem ser nossos heróis e nos inspirar como qualquer um pode. Espero que a HQ mude o jeito que as pessoas enxergam a doença. Se a história inspirar outros artistas ou autores, ficarei feliz”, conta Reece que, enquanto não está dedicando seu tempo ao filho, lê quadrinhos como Hellboy e The Walking Dead. O autor, que usou as páginas da HQ – um espaço que, para ele, é tão natural – para desenrolar toda a história de luta e superação relacionada ao relacionamento de pai e filho, também confessou que a sua maior ansiedade é a de quando Ollie se der conta da importância de tudo isso, de como é ser um símbolo de superação: “Confesso que estou ansioso para ver como ele vai se sentir quando descobrir que tem um livro inspirado na história dele. Ele tem só três anos, por isso ainda não entende bem o que tudo isso significa. Mas ele ama livros, então eu fico lendo muitas histórias para ele”.
“Metaphase” é uma das dez histórias gratuitas mais lidas entre os meses de maio e junho pelo aplicativo Comixology (capaz de fornecer mais de 30 mil histórias em quadrinhos para dispositivos como celulares e tablets) e tem a previsão de lançamento em versão impressa para janeiro de 2014. As ilustrações foram feitas por Kelly Williams, que se inspirou na fisionomia de Ollie, mas procurou não fazer uma representação tão direta. “Como artista, vejo algo tão profundamente pessoal na história que foi importante ter cuidado na minha representação visual da personagem. Observei fotos de pessoas com esse tipo de síndrome, pensando em algo em que eles pudessem se reconhecer, mas não que se tornasse caricato”. A meta é finalizar a produção até o final do semestre – apenas seis páginas foram lançadas no universo virtual. Após concluída, a graphic novel será incluída na plataforma de fundos colaborativos Kickstarter – um site que busca apoiar projetos inovadores através de financiamentos coletivos. “Eu quero acreditar que podemos colocar a história de uma forma que forneça algum valor educacional e que algumas pessoas possam ler o livro, aprender alguma coisa e aplicar isso a situações da vida real, onde possam se ver em uma pessoa com Down. Afinal de contas, é apenas uma pessoa”, explicou Kelly, que ficou conhecido pela história de horror “The Cabiret”.
A HQ de Chip Reece parece percorrer um caminho inverso desse gênero literário. Ao invés de buscar exaltar um herói por seus super poderes (ou seja, o que o torna diferente dos outros), procura mostrar que alguém considerado diferente por conta de uma síndrome pode ser como qualquer outra pessoa, capaz até de fazer com que os leitores – portadores de Síndrome de Down ou não – se identifiquem. “Muitas pessoas com quem eu converso dizem que pessoas com Down são sempre ‘felizes’ ou ‘extremamente amáveis’ e ainda que são limitados na sua capacidade de funcionar em sociedade, mas a verdade é que essas pessoas incríveis podem fazer as coisas exatamente como você e eu e, até mesmo, coisas que eu nunca poderia fazer. Ouvi falar de um adolescente com Down que escalou o Everest – você nunca vai me encontrar fazendo isso”, comenta Reece.
“Metaphase” pode ser considerada como um exemplo de quebra de estilo das histórias em quadrinho. Além de quebrar o tabu do preconceito ainda existente em relação a portadores de síndromes, essa HQ integra o time de produções que procuram tratar de temas mais dramáticos e literários, as graphic novels. De fato, trata-se de uma quebra de preconceito quanto ao gênero literário e quanto à figura do herói.
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